Seja bem vindo!!!
-Entre,
-Tire os sapatos,
-Sente-se e fique à vontade.
-vou pôr uma música.
-Aceita um café?
- Gosta de livros?
- escolha um e vá folheando,
-volto já, com o café.
Alexandre Pedro
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Pesquisar no Cárcere do Ser

sábado, 3 de maio de 2014

Inércia

Fitava a inércia da água depositada no copo de vidro transparente sobre o plano da mesa em mármore branco. Uma réstia de sol invadia o espaço lentamente aquecendo a friagem úmida da policromada moldura que envolvia os vidros da janela. A claridade onipresente até mesmo nos cantos mais recônditos da gaveta dos talheres misturados. Todas as coisas em estado de paralisia. O relógio em formato de meia chaleira sobre a soleira da porta contava as horas inteiras - em algarismos romanos - adesivados cuidadosamente no esmaltado branco fixado entre os quatro azulejos acinzentados. Reinava ali o tempo. A poeira se depositava, partícula por partícula, inexplicavelmente invisível, formando fina crosta engordurada sobre os ponteiros do relógio. O tempo das coisas permanecia imóvel, o ao redor envelhecia.
Com os antebraços sobre os cinco fronteiriços centímetros da mesa fitava a água tripidante-circulares na borda arredondada do copo; as mãos descansavam o queixo. Uma molécula de água se desprendia, incolor, criando volume de oxigênio ao subir, do fundo pressionado de sua massa e alcançava a linha do horizonte, observando de cima a fraca sombra da qual pertencia. Foi quando, em singular movimento - brusco, estilhaçou o fio do pensamento sorvendo de um só gole a transparência daquela liquidez matinal. A água lhe escorreu pelas paredes da garganta refrescando as amígdalas e continuamente seguiu corpo adentro naquela imensa vermelhidão. Seus pés lentamente destocaram o chão, seus braços como que levitaram, seu queixo afundou pesado com a recusa do que seria um dia de sol. Na janela lateral algumas pequeninas gotas marulhavam o falso zinco do policromado inox. Uma folha da planta no vaso ao lado acenava quase imperceptível para a manhã que se fechava trazendo, em gotículas, melancólica tempestade. O copo depositado sobre a mesa. Ainda úmido; gótico.
Alexandre Pedro