Seja bem vindo!!!
-Entre,
-Tire os sapatos,
-Sente-se e fique à vontade.
-vou pôr uma música.
-Aceita um café?
- Gosta de livros?
- escolha um e vá folheando,
-volto já, com o café.
Alexandre Pedro
e-mail: alexandre.eells@gmail.com

Pesquisar no Cárcere do Ser

segunda-feira, 31 de março de 2014

Fotossíntese


revelar o que é corpo
sob luz e água 
alimentar o que é terra
e fogo - com a própria terra: chama.
clorofilar o verde - o azul - o vermelho
em processo de foto e grafia - vivas -
para me ser foto - síntese.
Alexandre Pedro 

Imagem: autor desconhecido

terça-feira, 25 de março de 2014

Maternidade



Sobre o colo,
leve,
o terno peso de ser só um,
e dois.
O corpo recém descoberto,
completo feito flor:
mulher.
Os seios cheios de leite,
maduros,
sensíveis à gravidade de ser mãe.
Alexandre Pedro

Imagem: Mother and child, Klimt

sexta-feira, 21 de março de 2014

Logopeia

Se fosse eu o assassino de meus pronomes atiraria em tu. 
Uma única bala e som.
Não me renderia à covardia de ser suicida de mim
para fazer morrer o eu.
Mas, talvez, eu me agonizasse em nós.
Alexandre Pedro


Imagem: autor desconhecido

quarta-feira, 19 de março de 2014

Sem retrato e sem paisagem

"A uma certa idade nos questionamos sobre o que ficará, e como, as coisas nos lugares em que estão e estiveram durante a nossa vida inteira. E depois, o que ficará de uma vida?
Restará os espaços vazios atrás da estante acumulando poeira? Os espaços entre os móveis? - Restará aquele vinco no lençol? O vazio estreito percorrido entre os cômodos da casa?
Sim. Ficará o vazio emoldurando a escultura que sustenta o canto da sala e o jardim, uma moldura, sem retrato e sem paisagem, envelhecida, dependurada na parede, servindo apenas como enquadramento para um vazio. Uma torneira presa ao cano em pvc ressequido, saudosa de uns gotejares. Também este plasma em tessitura franzina em minha pele mais fina. Restará, restará.
- Restará um poema de Drummond me apontando a direção..."
Alexandre Pedro

Imagem: Alexandre Pedro 

terça-feira, 18 de março de 2014

Lamento

De lá do alto ouvia-se o homem ao longe. Daqui já não se ouve.
Eu, derrubada, contarei a você da minha queda, rapidamente.
Durou segundos a passagem do meu para o seu mundo.
Talvez eu devesse te culpar, ou rogar-lhe uma praga, mas esse tipo de comportamento não existe no meu mundo, de modo que eu estou aqui, no seu, metamorfoseando-me em castigo fatal. Mas me deixe narrar minha queda antes que chegue a tua.
Eu podia ouvir o terror dos motores ao longe se aproximando feito vozes dos tuberculosos. Às vezes engasgavam,os motores, e era quando havia algum suspiro mais longo, que alguém morria. Nosso grito durante a queda ninguém ouvia porque era abafado pelo grito do lenhador. Madeira!
Caía, derrubando os meus, soterrando os brotos, sufocando sementes. Caía muda. Braços abertos, indefesos. As folhas farfalhando em adeus, terra dos dinossauros.
Pois bem, meus caros. Trago a mata virgem na memória desmatada e tenho pena de vós.
Alexandre Pedro

Imagem: Alexandre Pedro 

segunda-feira, 17 de março de 2014

Pontos de Fuga

Todas as retas são metas falsas. O que nos comprimem, e sufocam, são os ângulos. A geometria vai até aonde alcança o pensamento, tendo como matéria prima a própria matéria prima. É possível trancar meu corpo entre 4 linhas retas, mas não encarcerar a mim. A morte é o ponto final do pensamento, vejam bem: o caixão é a forma mais fúnebre da geometria. A realidade é só um ponto de vista e pontos de fuga são apenas ensaios.
A perspectiva é o princípio da enganação. Se me olho no espelho eu não vejo a mim, vejo o aço, o vidro e o reflexo; e o meu cansaço.
Me perguntam, agora, aonde quero chegar com isto; quero atingir o maior grau da incoerência e mostrar que a linha do horizonte é côncava.
Alexandre Pedro

Imagem: Alexandre Pedro

sábado, 15 de março de 2014


Abri,
e imediatamente fechei a geladeira. Assustado por nada ter havido entre as garrafas de água, no vidro de leite branco de gola suja; na magnífica forma de se fazer gelo.
Abri - novamente. Me atentei ao limo anoitecido que se começava formar na bandeja de verduras.
A luz, ansiosa pelo tocar da porta, obedecida, mantinha os olhos abertos e nem piscava. Entre mim e as coisas na geladeira um olhar se mantinha aceso. Observador. Cerrei os olhos - estava eu entre a quase meia dúzia de ovos, entre as latas de cervejas lacradas, entre os entres das coisas.
E na escuridão do silêncio gelado, engavetado, entre, eu me petrificava
e derretia.
Alexandre Pedro

Imagem: Manabu Mabe