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-volto já, com o café.
Alexandre Pedro
e-mail: alexandre.eells@gmail.com

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domingo, 21 de novembro de 2010

O bicho - Manuel Bandeira



Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.


Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.


O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.


O bicho, meu Deus, era um homem.


No poema o poeta vê um homem revirando o lixo em busca de comida. O poeta compara o homem ao animal, que "devora" o lixo-alimento com voracidade, diferente do modos do homem-humano se alimentar, Degustar. E ao final do poema, ele mostra a degradação do homem, em direção à animização.

Não era um cão - era menos que um cão.
Não era um gato - era menos ainda que um gato.
Não era um rato - era ainda menos, menos ainda que um rato.
E se volta a Deus...desacreditado e inconformado.
"O bicho, meu Deus, era um homem".

PS. Impossível não me sentir na obrigação de pedir-lhes desculpa pelo confronto entre um poema lindo do Bandeira, e esta imagem forte de uma realidade que melhor seria não existir. Mas ela existe e não podemos fingir um mar de rosas, quando ele não existe.

Alexandre Pedro

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Morte e Vida Severina - João Cabral M.Neto

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai.

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.


Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

O vídeo anexo é a parte inicial de uma mini-série da Rede Globo intitulada Morte e Vida Severina, baseada no obra de João Cabral de Melo Neto, de mesmo nome. Gravada em 1981, e conta com participações de José Dumont, Elba Ramalho e Tânia Alves. Direção Walter Avancini, e trilha sonora de Chico Buarque.


domingo, 7 de novembro de 2010

" A hora da Estrela "



— E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?
— Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de idéia.
— E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
— Macabéa.
— Maca — o quê?
— Bea, foi ela obrigada a completar.
— Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse.
— pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande divida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro, canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Trecho do livro de Clarice Lispector "A hora da Estrela",1997.