Seja bem vindo!!!
-Entre,
-Tire os sapatos,
-Sente-se e fique à vontade.
-vou pôr uma música.
-Aceita um café?
- Gosta de livros?
- escolha um e vá folheando,
-volto já, com o café.
Alexandre Pedro
e-mail: alexandre.eells@gmail.com

Pesquisar no Cárcere do Ser

sábado, 30 de junho de 2012


Um raio riscou o céu e apagou em mim; uma árvore.
Ardendo em fogo, morri. Tive meus galhos secados, minhas raízes foram fraquejando, e morri de verdade. 
Mas eu ainda estava viva. Via de dentro de mim a vida vazando do lado de fora. Ervas daninhas tomaram posse do meu corpo enegrecido, e eu a pensar no ciclo da vida. Na vida que me havia sugado. 
Só o tempo teve piedade de mim, e um dia começou me a brotar escamas que reluziam à luz do sol. E a vida ressurgiu; sem deus, sem pecado, sem nada; só vida. A vida no inanimado das coisas.

Alexandre Pedro


quinta-feira, 21 de junho de 2012



Abri um livro qualquer em qualquer página numa situação qualquer a me apegar a qualquer distração e fui arrebatado por aquele cheiro de infância; de páginas novas, com letras ainda pregadas umas às outras a fazer barulhinhos ao separar das páginas. Uma nostalgia se apoderou dos meus instintos e me fez criança outra vez.
Com o discernimento novamente virgem, todo o meu tédio pude ver de um corpo estranho. Não era meu aquele corpo mergulhado numa tigela de tédio borbulhante. A calmaria da paisagem opaca do quadro pendurado na parede de um amarelo envelhecido era o cenário de mim, personagem do livro que estava em minhas mãos, aberto, próximo de minhas narinas. Aproximei ainda mais na tentativa de separar o cheiro do livro dos cheiros das palavras; e mais ainda, a separar o cheiro de cada palavra para ver se diferiam. Percebi então, que, as páginas amareladas pelo tempo ainda guardavam o cheiro contido de cada palavra. As palavras eram perfumadas de acordo com a sua adjetivação; palavras a ser conjugadas tinham o mesmo cheiro indefinido; enquanto, as adjetivais eram sempre as mais intensas; umas cheiravam imensamente bem, outras, quase insuportáveis.
Cada palavra era um artigo em minhas mãos, e tive medo. Meus olhos, de tão próximos, começaram a me sugerir uma leve sensação de desconforto; como se as palavras a mim tomassem, ou me embebedassem. A vista toda embaraçada.
Aquela mistura de cheiros, de repente, percebendo o parecer da minha hesitação, se revolta contra mim e me expele em espirros irritantes, e me vejo segurando o livro velho, absurdamente molhado por um personagem que saíra de mim.
No marcador de páginas constava escrito em sinuosa caligrafia os desejos de mamãe: um dia você vai ser um Dr. de Livros, meu filho.


Alexandre Pedro - Doutor de Livros

quarta-feira, 20 de junho de 2012


Os dias de chuva são sempre inspiradores, mas nada me dizem no dia de hoje. A chuva escorre pela minha face e, quase despercebida, esfria-me o contentamento. Vasculho em todos os cantos a procurar poesia - sem tempo de pensar que a poesia está no chover. Quando a percebo, chovo junto num lamento que escorre na enxurrada e me leva o dia todo. Percebo a irreverência nos galhos das árvores que se debruçam nas calçadas por que passo, e, ignorante e desatento, arranco suas folhas...


Temo eu, nesse instante percebido com clareza, a beleza de todas as coisas me perceberem junto delas e se revoltarem numa tempestade. A única saída é chover de mansinho sob o guarda chuva, como quem pede perdão com as duas mãos, numa reza de menino.


Alexandre Pedro

terça-feira, 19 de junho de 2012


Eu vi, para além do meu corpo, meu corpo esfaquear o corpo de meu pai. Era noite escura com reflexos da lua no aço da faca. Nas mãos, havia a cegueira das lâminas; nos olhos, a claridade dos discernimentos. Afiei a faca na fresta da porta a ver se o outro lado me via. E nada viram. Só me a mim; a visão das tensões de meu pai a me olhar com olhos vivos de frustrações de sua vida fracassada; como me a pedir o sossego. De tão cruel seria a piedade que, antes, acordei. Não fui capaz de desvirginar o fio da faca novamente. Como disse Maria Bethânia, 'foi tudo um sonho. Graças a Deus, um sonho e nada mais; eu vou parar de ler jornais'."
Alexandre Pedro

domingo, 17 de junho de 2012





Aspirinas 
A carne pede corpo. 

O corpo saliva, pede carne...*Esta publicação foi removida devido ao texto estar sendo integrado ao livro de estreia do autor, intitulado Flores do Ócio, e que será lançado em breve pela Giostri Editora. Mais informações: alexandre.eells@gmail.com
Agradeço muito a visita e o carinho dedicado.
Alexandre Pedro



"Paira sobre mim uma calmaria;
mais nada!"

Alexandre Pedro 


*Van Gogh Vincent- Three Pair of Shoe

Da série "Inconstâncias": 

"E o silêncio não estava na ausência de barulho. Estava no excesso." 

Alexandre Pedro

quarta-feira, 13 de junho de 2012



O relógio passa viciosamente do outro lado da rua.
Ouço seus passos a tiquetaquear lentamente pelas paredes daqui. 
Vou perdendo a lucidez; macerando-me os pensamentos, mortificando-me no vácuo do vazio do silêncio.
Vou ganhando horas e perdendo o tempo. Envelhecendo aos cacos, esfarpelando-me o corpo. 
A cabeça a confrontar meu corpo que só me faz fazer um desespero. Assim, leve, tenro e diminuto.
De minuto em minutos a vida vai gotejando.
Pra onde vai a vida que esvai?
Não sei; definitivamente, não sei!
Meus poros vão se fechando, afunilando-me em estreita fidelidade ao corpo. 
Meu corpo já não me é fiel; briga comigo todos os dias, e me atrofia num cansaço do tédio de não estar cansado.
Minha expressão me é tão natural que tenho a cara de quem sente nojo.
É imensamente difícil ver aproximar os quarenta se já não somos jovens, nem idosos. Há uma fenda no tempo; um dormir profundo em sonhos perturbadores que nos deixam inseguros; deslocados da realidade dos anos contados. É um perder-se constante entre tantos, de idades múltiplas, que nos não deixam dormir.
Corro, contra tudo em mim, a buscar resquícios de razão no superlativo dos meus resíduos e desconserto. 
Meu escape é uma brochura de desassossego. Pessoa o fez pra mim.
Alexandre Pedro