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Alexandre Pedro
e-mail: alexandre.eells@gmail.com

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sexta-feira, 6 de março de 2015

O poeta e a leitura do silêncio

entrevista concebida pela Revista São Paulo Review: por Angelo Mendes Corrêa e Itamar Santos *


Tendo publicado seu primeiro livro, Flores do ócio, em 2013, Alexandre Pedro destaca-se na novíssima geração de poetas paulistas surgida a partir do advento da internet. Tem escrita depurada, em que dizer pouco e tentar compreender o silêncio acabam permitindo entender muito da condição humana e de suas angústias. Formado em Letras, comanda um blog sobre literatura – Cárcere do Ser -, através do qual tem despertado e incentivado muitos jovens ao exercício da escrita.

Pode nos contar um pouco sobre sua formação?
Bom, cheguei nadando na contramão, sem ao menos perceber que a contramão exercia em mim, além da física, uma placidez que, na minha ignorância, interpretava-na como sossego. Ingressei na universidade, no curso de Letras, sem ao menos saber o que viria a ser um “letrado”. Não havia, até então, sequer pensado na palavra literatura. Mas lá estava eu; sem ter lido um livro sequer: onde os nomes Guimarães Rosa, Clarice, Drummond eram apenas umas palavras ao vento. Desconhecidos, para mim.

Estudei em escolas públicas e fiquei bastante tempo desocupado e quando assumi continuar meus estudos, ingressando numa faculdade, eu era um pacote vazio – impresso. Em mim, uma data de validade já era reminiscência.

E o interesse pela poesia, quando surgiu? 
No terceiro semestre do curso de Letras, quando tudo ainda era uma grande charada que eu tinha que desvendar, um professor de Linguística decidiu que a nossa turma teria que, ao final do semestre, apresentar algum tipo de produção: crônica, poesia, conto… O que eram esses gêneros textuais para aquele aluno que, de olhos vendados, tateava no escuro a palavra?

Abismado frente à tarefa, resolvi esboçar qualquer coisa e que ele, em sua competência, desvendasse essa coisa: se estaria ao menos próximo de um conto, poesia ou crônica, e que no decorrer do semestre ele me orientasse. Acontece que quando entreguei o esboço, ele gostou. Chamou-me poeta. Entregou esse material para a minha professora de Literatura e, juntos, criaram na universidade um concurso de escrita e me inscreveram. Em minha ignorância, no dia do concurso, em vez de escrever um poema, e devido a minha insegurança naquilo que estava fazendo, escrevi três. Levei bronca do fiscal de sala. Mas como os três textos estavam na mesma folha, foram lidos. No dia da apuração, levei os três prêmios. Primeiro, segundo e terceiro lugares, no gênero poesia.

A partir daí, eu me interessei por alguma coisa. Uma luz acendeu: era a poesia.

Acredito que a universidade tem essa função. Você não sai de lá sabendo de tudo – às vezes sai sem saber de nada -, mas, se você quiser, lá de dentro sai um rio que segue para inúmeros horizontes. Você é quem decide se quer ou não nadar. E eu nado.


Que autores o influenciaram mais de perto? 

Drummond. Com certeza, Drummond.

Li numa entrevista em que ele dizia ao professor Luís Milanesi, a respeito de alguns alunos da USP que queriam autorização para musicar seus poemas:

‘Se eu não subir aos céus nas asas da poesia, subirei nas asas da música.’

Existe um estalo maior que esse?


Como tem sido a relação com os leitores do Cárcere do Ser, seu blog, que já conta com quase 50 mil acessos? 
Chegamos a 60 mil acessos. (risos) Hoje, com o avanço da tecnologia, a internet é uma das maiores ferramentas para a literatura. As pessoas descobriram que o ato da escrita não é divinal. É humano. E por ser humano, vai em busca de saciar a sede da linguagem. E nos tornamos amigos além da linguagem.


‘Um pouco mais de sol – eu era brasa.

Um pouco mais de azul – eu era além.’



Seu livro de estreia, Flores do ócio, apesar do aparente desinteresse do grande público pela poesia, vem tendo sucessivas tiragens. A que atribui isso? 
Exclusivamente à internet. Não sou aquele que frequenta saraus. Tenho preguiça da poesia em boteco. Alguns me chamam antissocial. Mas não sou. Acredito que a literatura é uma intimidade do leitor-autor com a palavra. Ainda vamos descobrir uma forma de ler os silêncios.

Sua poesia é muitas vezes carregada por um ceticismo perspicaz com a condição humana. Você se define com um cético?
Preciso, antes, me definir como humano.

Novos projetos para 2015? 
Meu segundo livro, Cárcere do ser, está pronto. Estou à procura de uma editora: esta é a parte difícil da literatura no Brasil. Participo, atualmente, junto a outros sete escritores, do Projeto ‘Doam-se Palavras’. Doamos e doemos, quinzenalmente, algumas palavras aos que têm fome do verbo. Acabo de prefaciar o livro MiniMáximas, do Samuel Malentacchi, lançado em janeiro. Continuo tão perdido como quando ingressei na universidade. A diferença é que agora a contramão é minha ciente opção. E minha data de validade é ortografada na poesia.

*Fragmento do poema Quasi, de Mário de Sá Carneiro


Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Itamar Santos é mestrando em Literaturas Comparadas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP)