O retirante explica ao leitor quem é e a que vai.
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
O vídeo anexo é a parte inicial de uma mini-série da Rede Globo intitulada Morte e Vida Severina, baseada no obra de João Cabral de Melo Neto, de mesmo nome. Gravada em 1981, e conta com participações de José Dumont, Elba Ramalho e Tânia Alves. Direção Walter Avancini, e trilha sonora de Chico Buarque.
Aleee...
ResponderExcluirMuito triste e muito dramática essa realidade de andanças...de mudanças...de magrezas...
Sabe o que adorei mais...?!
O retirante...aquele que se retira...está o tempo todo se colocando...e dizendo quem ele é...e ele começa assim...se diferenciando de todos os outros...Severinos...para depois...se igualar à todos os outros...
"...é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba..."
"...Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina..."
Lindo Aleeee...
Beijos
Leca
Oi Alexandre...
ResponderExcluirOlha só, não tenho palavras pra falar do João Cabral de Mello Neto.
Eu simplesmente leio e releio cada frase dele, sabe? Principalmente nesse poema... É uma resposta, uma reflexão, um comentário, um explicação, uma poesia, uma prosa, uma convera sincera... um algo a dizer. É tudo
Obrigada por me lembrar disso
Beijos
Carla
Oi Carla, como vai?
ResponderExcluirObrigado pela participação.
João Cabral....e eu que ainda só o estou descobrindo, tenho tanto ainda por me deliciar...
Obrigado pelo carinho e força,
Seja bem vinda!!!
Bjs
Alexandre Pedro
Olá Alexandre.. que bom que gostou dos meus textos... eles são apenas um exercício de dramaturgia... mas que adoro fazer... já algum tempo eu visito o seu blog, cheguei aqui através da Clarice Lispector, mas só agora passei a seguir... já que voce tem tantas coisas interessantes e importantes para qualquer escritor... parabéns! e abraço!
ResponderExcluirVejam Morte e Vida Severina em animação no YouTube. http://www.youtube.com/watch?v=alOXpuFX8yo
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